terça-feira, 17 de maio de 2011

A origem do pó-de-arroz

Quem nunca ouviu alguém chamar um tricolor de pó-de-arroz, não é verdade? Muitos nem imaginam como surgiu esse termo, outros já ouviram a história, mas talvez não conheçam os detalhes. Em 1914, o América, grande rubro tijucano, se achava em grave crise, que o levou a perder dezenas de sócios, conselheiros e jogadores. Cerca de doze deles tomaram o caminho do Fluminense, entre os quais, os irmãos Carneiro de Mendonça: Fábio, Luiz Henrique e o grande Marcos. Nesse grupo, achava-se também Carlos Alberto Fonseca Neto. Carlos Alberto não era negro, mas um mulato claro, o primeiro a vestir a camisa tricolor. É simplório e equivocado se dizer que, “naquele tempo, havia racismo no Fluminense”, quando o problema era muito mais grave. O odioso preconceito de cor permeava toda a sociedade brasileira, de longa tradição escravagista, e se expressava, por exemplo, no comportamento de todos os clubes com sede na Zona Sul do Rio de Janeiro. Todos, sem exceção. Intimidado por esse ambiente hostil, muito antes de chegar ao Fluminense, Carlos Alberto adotava a prática de passar pó-de-arroz no rosto, antes de entrar em campo.

E não era só no Rio de Janeiro que este tipo de preconceito imperava. Em São Paulo, o famoso Friedenreich – El Tigre, como era chamado -, um mulato bem claro, de olhos verdes, tentava, também, esconder sua etnia alisando o cabelo. Primeiro untava-o com brilhantina; depois, com o pente, puxava-o para trás e, a seguir, amarrava a cabeça com uma toalha, numa espécie de turbante. Toda essa operação precisava ser realizada durante a preliminar, minutos antes do juiz apitar o início do jogo ou o resultado se perderia antes do final da partida. Muitas vezes, finalizando seus preparativos, Friedenreich atrasava a entrada do time em campo e, quase sempre, era o último jogador a pisar o gramado. O que parecia uma jogada promocional era apenas o resultado de suas manobras capilares.

Mas e Carlos Alberto? Se ele já usava pó-de-arroz como jogador do América, por que não havia repercussão? Por que os americanos não foram chamados de “pó-de-arroz”?



É importante lembrar dois aspectos: primeiro, ele era um reserva; segundo, jogava no América. Era quase um anônimo, portanto. Tão logo passou a jogar – algumas vezes – no time principal do Fluminense, o antigo hábito ganhou grande notoriedade. Surgiram versões de que a diretoria do Fluminense teria imposto essa condição para que Carlos Alberto vestisse a camisa tricolor, e as torcidas adversárias passaram a classificar como de “pó-de-arroz”. Toda vez que isso ocorria, ofendiam-se e brigavam tricolores de todas as etnias e condições sociais, sem distinção.

A verdade é que o clube nunca interferiu ou fez alguma ação alheia à vontade do próprio jogador, que já cultivava a exótica maquiagem antes de chegar à rua Álvaro Chaves. Além disso, era uma costumeira provocação entre as maiores torcidas da época, se chamar de “pó-disso” ou “pó-daquilo”: os rubro-negros eram “pó-de-mico”; os vascaínos, “pó-da-pérsia”, um remédio para vermes muito popular no início do século XX. E quando alguém queria ofender um tricolor, vinha logo com um “pó-de-arroz”. O apelido continua presente na vida dos torcedores do Flu até hoje.

Texto: Bruna Tenório e Macelle Januzzi

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